quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A Psicologia Perinatal e a importância do cuidado à maternidade

        O curso de Formação do Instituto Gerar em Psicologia Perinatal transformou-se num fio condutor do trabalho de cuidado à maternidade que realizo, pois lhe doou um acréscimo, e foi cerzindo a compreensão à atuação acerca da relação central na vida de todos nós, a relação mãe-filho.
       A condição emocional do ser humano é construída sob a égide da maternidade, e a vivência possível para a dupla mãe-bebê, torna-se a célula mater, de onde provém o capítulo mais primitivo da nossa história.
       Antes mesmo da concepção, o desejo em maternar é uma presença, e a possibilidade de conceber realiza o desejo, ainda que o desejo não habite a consciência, ainda que o desejo seja um desconhecido. E mesmo quando o corpo não consente (numa alusão à Thérèse Bertherat) o desejo pode ser revelado, e ainda mais, ele pode ser perseguido. E até quando o desejo em maternar não habita parte alguma, ainda assim, o que está por trás, é a história pessoal atravessada pela experiência da maternagem recebida.
       A maternidade pode ser vista como a experiência centralizadora da condição humana, pelo simples fato de sermos, todos nós, filhos. Qualquer que tenha sido a vivência, todos nós fomos gerados por uma mulher-mãe.
       A Perinatalidade se propõe a lidar com o entorno da maternidade, e com a rica complexidade possível na teia de seus relacionamentos, desejos, fantasias e vivências. O cuidado que a Psicologia Perinatal oferece, congrega o caráter preventivo da relação que se estabelece com a maternidade, desde o desejo em ser pai e ser mãe, até a saúde emocional do bebê, e sua constituição como ser humano, passando seu olhar pelas relações familiares.
       Há, nessa intenção, um enriquecimento na vivência do psicólogo perinatal, pois somos convidados a “dançar” em ritmos outros, já que a interdisciplinaridade é uma característica da atuação profissional. Outros saberes tão importantes na assistência à maternidade, vindos de obstetras, pediatras, doulas, fonoaudiólogos, nutricionistas, enfermeiras, etc., nos convidam a compartilhar e a trocar, a crescer... Quando podemos desenvolver um olhar e um cuidado integrador, somos mais capazes de assistir e não simplesmente intervir.
       Aliás, intervenção é uma palavra que já me causava dúvida, não sentia que era essa a atuação mais benéfica, mais esperada pelas gestantes e mães, enfim. As reflexões apresentadas no curso me deram a convicção de que, intervir, é o pior que podemos fazer na assistência à maternidade. Intervenção é algo que vem de fora, no caso, vem daquele que assiste, mas se nos propomos a assistir então a intervenção é uma incoerência, um erro até, pois a intervenção pode ser traumática à maternagem, como pontuou Winnicott.
       O foco do meu trabalho sempre foi a maternidade, há 15 anos, ainda na faculdade, havia uma disciplina optativa denominada “Estágio Supervisionado em Atendimento à Gestante”, cuja orientadora era a Profª Maria Nurymar Brandão Benetti, e foi esta a primeira escolha que me colocou mais próxima do meu desejo em trabalhar com a maternidade. Hoje, tenho a oportunidade de reconduzir a trajetória do meu trabalho com o curso de Psicologia Perinatal, pois, simbolicamente, esse curso se “vestiu” de agulha, e foi me ajudando a cerzir muitos retalhos que havia recortado ao longo da minha história profissional e pessoal.
       Tive dois filhos, Giullio com 13 anos e Lorenzo com 4 anos, e realmente eles deram forma às experiências mais exuberantes da maternidade, da minha maternagem.
Foram dois partos muito marcantes.
O Giullio e eu vencemos o relógio e conseguimos viver um parto normal, mas com fórceps de alívio, necessário devido a circular de cordão que concorria com o tempo de duração do trabalho de parto, que foi induzido, pois eu não dilatava, nem tinha contrações, e já haviam se passado quatro dias da data provável. Conversei muito com ele, fui encorajando-o a nascer, e ele topou!
O Lorenzo nasceu de um parto que eu sempre sonhei: Duas horas da manhã, levantei para fazer xixi, coisa que eu nem fazia, vi que havia acontecido a descida do tampão. Fui pra sala com papel e caneta, constatei que estava em trabalho de parto, chamei meu marido, liguei para o médico – que estava dormindo, lógico, e pediu que esperasse, pois ainda demoraria um pouco. Mas uma hora depois eu já não conseguia falar, cheguei à maternidade às 6:00h com dilatação total, logo a bolsa rompeu, e o médico não chegava... O Lorenzo nasceu às 6:30h de parto normal, sem anestesia, e literalmente pari...
Com certeza, essas duas experiências foram as mais marcantes e emocionantes da minha vida. Eu me sentia eufórica e feliz! Minha relação com o parto sempre foi boa, meu desejo era parir, dar passagem, e a dor faz parte desse processo, minha felicidade foi maior que a dor, pois pude parir meus filhos, cada um com a sua história. Mas eu tenho é muito orgulho dessa parte da minha história, isso é verdade!
       Assim, todo esse entorno da minha opção por trabalhar com a maternidade, me trouxe até aqui, até o curso de Psicologia Perinatal, e também até a um espaço de trabalho onde o objetivo-sonho é assistir o materno-infantil de forma diferenciada, integral, humana.
       Acredito na ressonância que move pessoas e lugares cujos objetivos-sonhos aproxima, chama, atrai.
       As perspectivas trazem um frescor que anuncia algo novo, mas novo no sentido de renovação. Busquei, com este grupo do Instituto Gerar, estar com pessoas, cujas experiências me trariam reflexões, idéias, conhecimentos, exemplos e força, sim força para dar um salto... o salto que eu desejo.
       A relação mãe-bebê e o acolhimento ao início da vida são dois temas relevantes na minha trajetória profissional, e neste momento percebo estar diante deles de forma mais significativa.
       O vínculo afetivo mãe-bebê deixa suas marcas e constitui-se como referência na construção da vida psíquica do ser humano. Ele permanece assim, tanto que serve de base para o estabelecimento de outros vínculos que se formarão durante a vida do indivíduo.
       Ocorre que esse vínculo entre a mãe e o bebê é permeado pelas experiências anteriores de ambos. A mãe que, através da sua história de vida, da própria maternagem que recebeu, dos desejos conhecidos e desconhecidos, das vivências durante a gravidez e dos sentimentos em relação ao seu papel de mãe, chega ao encontro com seu bebê já com uma bagagem, e esta vai influenciar de forma determinante a qualidade da disponibilidade da mãe para o vínculo. O bebê também chega com a sua bagagenzinha, nela estão contidas as memórias pré-natais e as sensações experimentadas nesta fase, inclusive em relação ao próprio vínculo, pois este tem início, ainda que de forma muito rudimentar, já na fase pré-natal.
       É importante que essa consciência exista, uma vez que o parto é uma estação onde nunca se esteve antes, pois cada parto é único, e a bagagem trazida é o único elemento familiar. Podemos imaginar uma cena na qual a mãe é esperada no desembarque, após uma viagem, por alguém com uma plaquinha na mão cuja inscrição é: “seu bebê”. Detalhe: a mãe também segura uma plaquinha onde está inscrito: “sua mãe”.
       Mas a bagagem também contém recursos de aproximação (como os hormônios ocitocina e prolactina na mãe, e a predisposição dos sentidos que o bebê apresenta desde o nascimento) e preparam para o encontro – sempre temos na bagagem algo que nos assegure o conforto ou algo que nos aqueça, ou ainda algo que nos refresque.
       É nesse encontro repleto de surpresas, angústias, alegrias, dúvidas, ambivalência, enfim, que mãe e bebê vão se (re)conhecer. É um longo processo, delicado, sutil, desgastante, compensador...
       E é também deste encontro que poderão, ou não, ser reeditados sentimentos, vivências e histórias. Há uma oportunidade singular no puerpério e no pós-parto de autodesenvolvimento. A maternidade, e a paternidade, são, aliás, importantes ferramentas de aprendizagem e crescimento do ser humano.
       É nessa possibilidade de disponibilidade que a Psicologia Perinatal pode contribuir de forma determinante na saúde emocional da díade mãe-bebê, e no vínculo. O respeito ao tempo e ao ritmo possível de ambos, é a medida para a assistência ser benéfica e construtiva e delicada, como é a relação mãe-filho.
       Sou muito grata por esta oportunidade, agradeço também minhas colegas de curso, especialmente á Maria Fernanda, Flávia Parente e Taís, aos professores, e principalmente à Professora Vera Iaconelli que se propõe a dividir com outros colegas a sua bagagem, farta de conhecimento e sensibilidade. Agradeço também à Carolina Iaconelli por sua compreensão e dedicação. E também agradeço aos meus filhos e ao meu marido Jorge por terem aceitado a minha ausência e por terem se “automaternado”.
      Rosângele Monteiro Prado -  Psicóloga Perinatal


Trabalho apresentado para a conclusão do Curso de Formação em “Psicologia Perinatal”

do Instituto Gerar de Psicologia Perinatal sob coordenação da profª.  Vera Iaconelli   
São Paulo, 08 de novembro de 2009

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