quinta-feira, 23 de junho de 2011

"Deixa que eu chore minha sorte cruel e que suspire a liberdade"

                         
                                                              Autor: Mario Lima
       

Estou num vôo entre o Rio e Curitiba e mais a frente, na segunda fileira, tem uma criança que chora e uma mãe que, visivelmente incomodada, tenta com vários argumentos mostrar como é feio aquele choro e quanto ele incomoda os outros passageiros.Não tenho como não me recordar de como foi tratado meu choro e de pensar como tenho tratado o choro das minhas crianças.          
                                                    
     lascia ch’io pianga
         mia cruda sorte,
         e che sospiri la liberta! 

“Deixa que eu chore minha sorte cruel e que  suspire a liberdade!” são os versos da  aria de Haendel em que o choro aparece como maior expressão da liberdade humana. Estou bastante convencido que nos libertamos através da expressão de nossos sentimentos. Através do choro, purifico as emoções que acumulo ao longo das diferentes experiências do dia a dia resultando em real aprendizado. De certa forma, quando choro, aprendo. Mas então porque insistimos em anular esta condição fisiológica fundamental e exigimos 
que nós mesmos e as nossas crianças engulam o choro?
Acostumamos a pensar que homem não chora, e que choro é coisa de fraco. É incrível como esta  forma de ver pode até marcar uma civilização inteira. Já há bem mais de um século no poema épico de Gonçalves Dias, I Juca Pirama, “aquele que deve morrer”, o herói chora para evitar o sacrifício e poder voltar e cuidar de seu pai. Mais tarde, o pai recrimina este ato de desonra e só sossega quando o filho prova que é suficientemente violento para valer a pena ser sacrificado.


Quanta violência tem sido causada porque apenas não conseguimos entrar em contato com nossos sentimentos! Quando pequeno, eu apanhei de cinta.  E nestes momentos, recordo-me de que eu me dizia que não ia chorar. E fazia muita  força, pois pra mim era uma forma de resistir contra toda aquela falta de diálogo. Deu certo. 
Fiquei tão endurecido que não tinha problema para bater em todos os meninos da minha idade  nas brigas de rua. Hoje percebo que, na casa dos meus pais, falávamos um monte, mas  conversávamos muito pouco. Faltava silêncio entre nós para percebermos e acolhermos com  sensibilidade as nossas emoções. Assim, foi só  bem mais tarde que notei que era necessário que eu aprendesse a chorar. 
Talvez, toda a bronquite asmática da minha infância pudesse ter sido evitada  se meu choro tivesse espaço, e se meus pais se  permitissem chorar também.

Laura Gutman no seu livro “A maternidade ao encontro da própria sombra” relata o seguinte :  “As doenças respiratórias tem a ver com as pequenas crises cotidianas ...As mães tem uma  infinidade de motivos para chorar, por isso os  bebês choram muito e se resfriam com frequência.  O resfriado tem a ver com o choro e com o excesso de água que precisamos expulsar. As vezes não nos  permitimos chorar, nem permitimos que os pequenos chorem. O plexo da emoção esta localizado  na altura do peito. Sentimos a angustia justamente ali.” 

Quando tem emoção na história, não tem certo ou errado. Se o choro vem é porque tem que sair, é  um fluxo vital, é como um rio que precisa desaguar  para cumprir seu curso. Na verdade quando o choro  aparece, basta apenas estarmos presentes, de preferência  em silêncio, e acolher o choro, tanto o nosso como o do  outro. Nenhuma explicação é necessária. Nada do que for dito nesta hora vai ajudar muito, e no caso de uma criança ainda menos. É mais importante pegar no colo e esperar passar. Ai quando tiver passado vai dar pra conversar e construir algo baseado no respeito aos sentimentos. 

Não tem nada de mais verdadeiro sobre uma pessoa do que aquilo que ela sente. E ninguém tem o direito de dizer que o que o outro sente está errado ou que não  é importante. Nem tampouco de valorizar excessivamente  o que o outro está sentindo. Basta apenas respeitar e  permitir que o outro chore o choro que precisa chorar.  Homens livres são aqueles que reconhecem suas  necessidades e expressam seus sentimentos. Criar uma criança livre é respeitá-la de forma que isso aconteça, se permitindo chorar também, se necessário for. 


São quase oito da noite, sigo no avião. A criança está cansada e muito irritada por ter que ficar presa ao sinto,  longe da mãe. Finalmente aterrissamos. A mãe a pega no  colo, e em silêncio, o choro passa.

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