Que
nossa vida, meus filhos, tecida de encontros e desencontros, como a de todo
mundo, tenha por baixo um rio de águas generosas, um entendimento acima das
palavras e um afeto além dos gestos – algo que só pode nascer entre nós. Que
quando eu me aproxime, meu filho, você não se encolha nem um milímetro com medo
de voltar a ser menino, você que já é um homem. Que quando eu a olhe, minha
filha, você não se sinta criticada ou avaliada, mas simplesmente adorada, como
desde o primeiro instante.
Que, quando se lembrarem de sua
infância, não recordem os dias difíceis (vocês nem sabiam), o trabalho
cansativo, a saúde não tão boa, o casamento numa pequena ou grande crise, os
nervos à flor da pele – aqueles dias em que, até hoje arrependida, dei um tapa
que ainda agora dói em mim, ou disse uma palavra injusta. Lembrem-se dos
deliciosos momentos em família, das risadas, das histórias na hora de dormir, do
bolo que embatumou, mas que vocês, pequenos, comeram dizendo que estava
maravilhoso. Que pensando em sua adolescência não recordem minhas distrações,
minhas imperfeições e impropriedades, mas as caminhadas pela praia, o sorvete na
esquina, a lição de casa na mesa de jantar, a sensação de aconchego, sentados na
sala cada um com sua ocupação.
Que quando precisarem de mim, meus
filhos, vocês nunca hesitem em chamar: mãe! Seja para prender um botão de
camisa, ficar com uma criança, segurar a mão, tentar fazer baixar a febre,
socorrer com qualquer tipo de recurso, ou apenas escutar alguma queixa ou
preocupação. Não é preciso constrangerem-se de ser filhos querendo mãe, só
porque vocês também já estão grisalhos, ou com filhos crescidos, com suas
alegrias e dores, como eu tenho e tive as minhas. Que, independendo da hora e do
lugar, a gente se sinta bem pensando no outro. Que essa consciência faça
expandir-se a vida e o coração, na certeza de que aquela pessoa, seja onde for,
vai saber entender; o que não entender vai absorver; e o que não absorver vai
enfeitar e tornar bom.
Que quando nos afastarmos isso seja
sem dilaceramento, ainda que com passageira tristeza, porque todos devem seguir
seu caminho, mesmo que isso signifique alguma distância: e que todo reencontro
seja de grandes abraços e boas risadas. Esse é um tipo de amor que independe de
presença e tempo. Que quando estivermos juntos vocês encarem com algum bom humor
e muita naturalidade se houver raízes grisalhas no meu cabelo, se eu começar a
repetir histórias, e se tantas vezes só de olhar para vocês meus olhos se
encherem de lágrimas: serão apenas de alegria porque vocês estão aí. Que quando
pareço mais cansada vocês não tenham receio de que eu precise de mais ajuda do
que vocês podem me dar: provavelmente não precisarei de mais apoio do que do seu
carinho, da sua atenção natural e jamais forçada. E, se precisar de mais que
isso, não se culpem se por vezes for difícil, ou trabalhoso ou tedioso, se lhes
causar susto ou dor: as coisas são assim. Que, se um dia eu começar a me confundir, esse eventual efeito de um
longo tempo de vida não os assuste: tentem entrar no meu novo mundo, sem drama
nem culpa, mesmo quando se impacientarem. Toda a transformação do nascimento à
morte é um dom da natureza, e uma forma de crescimento.
Que em qualquer momento, meus
filhos, sendo eu qualquer mãe, de qualquer raça, credo, idade ou instrução,
vocês possam perceber em mim, ainda que numa cintilação breve, a inapagável
sensação de quando vocês foram colocados pela primeira vez nos meus braços:
misto de susto, plenitude e ternura, maior e mais importante do que todas as
glórias da arte e da ciência, mais sério do que as tentativas dos filósofos de
explicar os enigmas da existência. A sensação que vinha do seu cheiro, da sua
pele, de seu rostinho, e da consciência de que ali havia, a partir de mim e
desse amor, uma nova pessoa, com seu destino e sua vida, nesta bela e complicada
terra. E assim sendo, meus filhos, vocês terão sempre me dado muito mais do que
esperei ou mereci ou imaginei ter.
Olá Rosangele,
ResponderExcluirAdorei o texto e a nova cara do blog também!
Abraço,
Elisangela