segunda-feira, 24 de março de 2014

"O instinto materno existe?"


Laura Gutman
Tradução: Marcia Ferraz    
                                  

"O instinto de proteger, cuidar, nutrir e amparar um filho só se pode manifestar a medida que esse filho exista e tenhamos uma relação amorosa com ele. Agora, nós necessitamos de instinto materno para engravidar? Não, definitivamente não tem nada a ver uma coisa com a outra. Ficamos grávidas porque somos férteis, porque tivemos contato sexual com um homem e porque faz parte da natureza humana. O instinto aparece mais tarde, quando o bebê nasce. A partir desse momento há um bebê necessitando de cuidados maternos que desperta nossa capacidade de amar.
Mas, uma vez que o bebê tenha nascido, sempre aparecerá o instinto materno? Porque muitas mães não sentem “isso” em relação a seus filhos? Porque nossa capacidade de protegê-lo e ampará-lo depende da repressão sexual que temos vivido durante toda a nossa vida, do desamparo a que fomos submetidas durante a nossa infância e da moral, do autoritarismo afetivo e d a rigidez que ainda hoje persistem e fazem parte de nossa maneira de ser. É como dizer que uma vez que temos um bebê real em nossos braços nos encontraremos com nossa capacidade ou incapacidade de cuidar, baseando-se em nossa história emocional passada, da qual geralmente não temos uma memória clara. De toda maneira, a função materna é algo que se aprende buscando referências externas e sempre quando reconhecemos o quanto é difícil para nós atender as demandas de um bebê pequeno.
Em todos os zoológicos do mundo, se sabe que qualquer fêmea criada em cativeiro, terá poucas chances de conceber e dar a luz a sua cria. E se isso acontecer, dificilmente a reconhecerá como sua e possivelmente terá dificuldades para amamenta-la e protege-la. Mas os cuidadores do zoológico a ajudarão e a cria possivelmente sobreviverá. Lamento essas comparações, mas a nos mulheres acontece algo parecido : atravessamos nossas gestações totalmente despidas de nosso auto-conhecimento e em seguida parimos em cativeiro: amarradas, espetadas por agulhas, ameaçadas e apressadas. Então, logicamente, imediatamente depois do nascimento nos ocorre que desconhecemos nossa cria. Nós, mães temos que fazer um esforço intelectual para reconhecer a este filho como próprio, com a culpa e a vergonha de pensar internamente que não possuímos esse valioso “instinto materno”.
Uma mãe pode ter uma fluidez extraordinária para atender intuitivamente as necessidades do bebê? Sim, claro, mas precisa ter vivido uma infância ideal! Se tivermos recebido suficiente amparo, contato corporal, palavras carinhosas, olhares exclusivos, peitos, disponibilidade emocional e explicações ao longo de toda a nossa infância, é muito mais provável que possamos responder instintivamente as necessidades do bebê. Caso contrário, necessitaremos de apoios externos que nos guiem até o amor e nos libertem dos preconceitos."

Laura Gutman
Tradução: Marcia Ferraz em 23/03/14 para Ninho Materno - Maternidade, Família e Infância.

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