Resumo: Este trabalho teve como objetivo fazer uma pesquisa bibliográfica sobre a relação neuropsicológica mãe-bebê na depressão pós-parto. Considerando que, apesar de ser um assunto muito abordado, pouco tem sido desenvolvido em termos de construção teórica sobre a relação mãe-bebê. Utilizamos a pesquisa bibliográfica, devido ao seu caráter exploratório que nos favoreceu compreender o fenômeno na sua complexidade e suas peculiaridades em relevância ao tema. Concluímos que fatores biológicos, obstétricos, psicológicos e sociais podem contribuir para a precipitação do quadro de depressão pós-parto que, por vezes, tem uma apresentação atípica, na medida em que a tristeza e a angústia da mãe tendem a ser minimizadas diante dos cuidados intensivos dispensados ao bebê.
Palavra-chave: Depressão pós-parto; neuropsicologia; relação mãe-bebê.
Introdução
O presente artigo aborda a depressão pós-parto, partindo do interesse de compreender a interação mãe-bebê, bem como sua relação com o desenvolvimento posterior da criança, representando esta como uma área de grande interesse entre os pesquisadores do desenvolvimento infantil e também a análise dos fatores neuropsicológicos envolvidos na depressão pós-parto.
As investigações conduzidas nesse sentido de pesquisa bibliográfica têm enfatizado tanto as contribuições maternas quanto as do próprio bebê para a qualidade da interação (Brazelton, 1988; Klaus & Kennel, 1993; Klaus, Kennel & Klaus, 2000). Dentre os fatores que contribuem com o processo interativo, o papel exercido pela depressão pós-parto tem sido abordado por inúmeras investigações nas últimas décadas, devido às evidências de que o estado depressivo da mãe pode repercutir negativamente no estabelecimento das primeiras interações com o bebê e, em conseqüência, no desenvolvimento afetivo, social e cognitivo da criança (Cummings & Davies, 1994; Dodge, 1990; Field, 1998; Tronick & Weinberg, 1997).
No entanto, evidências mostram que, muitas mulheres permanecem com os sintomas por um período prolongado enquanto outras iniciam o quadro depressivo mais tardiamente no primeiro ano após o parto. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo contribuir para o estudo da interação mãe-bebê, examinando as investigações que ressaltaram o papel da depressão pós-parto e a relação mãe-bebê. Iniciando com algumas características da depressão pós-parto e alguns fatores neuropsicológicos associados à sua ocorrência. Sendo feitas também, considerações a respeito do impacto da depressão pós-parto para a interação mãe-bebê. Revisando assim, suas implicações para o desenvolvimento infantil. Mesmo as formas mais brandas de depressão materna podem afetar o bebê, uma vez que ele consegue perceber as mínimas deficiências na contingência no comportamento materno. Dessa forma, o estado depressivo da mãe pode repercutir negativamente nas primeiras interações com o bebê e, consequentemente, no desenvolvimento da criança.
1. Depressão
1.1. Conceito
Síndrome psicopatológica caracterizada por abatimento físico ou moral (tristeza, desolação, perda de interesse, perda de amor-próprio), múltiplas queixas somáticas (insônia, fadiga, anorexia), atraso motor ou agitação e, sentimentos de abdicação que são freqüentemente acompanhados de idéias agressivas (ou tentativas) de suicídio. É um dos componentes da psicose maníaco-depressiva. (DALGALARRONDO,2000)
A depressão pode variar de um abatimento brando ou sentimento de indiferença até um desespero sem esperança. Na síndrome depressiva mais branda, o paciente se mostra quieto, contido, inibido, infeliz, pessimista e autodepreciador, demonstrando uma sensação de lassitude, inadequação, desencorajamento e desesperança (CABRAL & NICK,2006:73). A pessoa fica incapaz de tomar decisões e experimentar dificuldades diante das atividades mentais habitualmente fáceis, acha-se excessivamente preocupado com problemas pessoais. Algumas pessoas deprimidas mostram-se petulantes, impertinentes e desconfiadas. Na depressão maior, existe uma tensão desagradável constante sendo que toda experiência é acompanhada por sofrimento mental e o paciente está impenetravelmente absorto em torno de alguns aspectos da natureza melancólica e suas atitudes e comportamento demonstram desânimo e desespero.
A depressão tem suas raízes no sentimento de culpa inconsciente, oriundo de relações interpessoais, talvez de ambivalência e hostilidade inconsciente com impulsos rancorosos e agressivos, dirigidos contra pessoas que são os objetivos de uma obrigação não desejada.
O início de um estado mais crítico da depressão pode assemelhar aos estados depressivos, mas o abatimento inicial logo se transforma em uma profunda angústia depressiva. A postura, as tensões musculares e vários sinais e sintomas físicos apresentam um quadro composto indicador de depressão. Podemos diagnosticar a depressão, após ter levantado a hipótese pelo histórico: exame físico, exame do estado mental ou resposta a um questionário clínico. Devendo então o profissional ao qual o paciente foi encaminhado, entrevista-lo de maneira atenta para estabelecer que tratamento será mais adequado ao mesmo. Uma vez que os sintomas vegetativos da depressão podem também ser causados por doenças não-psiquiátricas e medicamentos, o diagnóstico da depressão não deveria se embasar somente na presença de fatores como fadiga, insônia e anorexia. Procuram-se também, por critérios cognitivos e afetivos como falta de atenção concentrada, sentimento de desesperança ou desvalia, humor deprimido e anedonia.
Após o diagnóstico o médico deverá encaminhar os pacientes com depressão a psiquiatras nas seguintes situações: risco de suicídio, necessidade de hospitalização, falha de um período de experiência adequado com antidepressivo, comorbidade médica ou psiquiátrica complicada, suspeita de necessidade para medicação e psicoterapia combinadas e avaliação para farmacoterapia. O psiquiatra pode manejar o episódio agudo e encaminhar o paciente ao psicólogo para tratamento de manutenção. Alternativamente, os dois clínicos podem escolher trabalhar em conjunto com pacientes que apresentam comorbidade médica e psiquiátrica complicada.
1.2 - Depressão pós-parto
A gravidez é um estado psicofisiológico da mulher que gerando um filho, pode tornar-se fonte de alegria ou de angústia. No plano psicológico, a mulher vê ressurgir certos problemas de sua infância ligados à qualidade de sua relação com sua mãe. As duas se tornaram iguais, mas, segundo a maturidade afetiva da mãe, tal situação pode ser acompanhada de sentimentos particulares (culpabilidade, rivalidade, etc). O anúncio da primeira gravidez desperta em certas mulheres uma satisfação extraordinária que a análise psicológica permite relacionar, às vezes, a um complexo de castração até então, não resolvido (KLEIN, M. 1970). No entanto, as condutas baseadas somente nos aspectos físicos não são suficientes. Elas necessitam ser potencializadas, especialmente pela compreensão dos processos psicológicos que permeiam o período grávido-puerperal, notadamente, no caso de gestantes adolescentes que, pelas especificidades psicossociais da etapa evolutiva, vivenciam sobrecarga emocional trazida pela gravidez. Hoje, os aspectos emocionais da gestação, do parto e do puerpério são amplamente reconhecidos, e a maioria dos estudos converge para a idéia de que esse período é um tempo de grandes transformações psíquicas, de que decorre importante transição existencial.
Encontra-se na depressão pós-parto entre extremos de tristeza puerperal e na psicose pós-parto que se desenvolve em 10 a 20% das mulheres após darem à luz. Ao contrário da tristeza puerperal ou da psicose, a depressão pós-parto, tende a se desenvolver insidiosamente algumas semanas após o parto. Os sintomas de humor são mais sustentados e o curso da doença é tipicamente prolongado, incluindo acessos de choro, dificuldade de concentração, indecisão e tristeza profunda. Os pensamentos são caracterizados por temas de fracasso e inadequação caracterizando-se por sinais e sintomas físicos semelhantes aos de hipotireoidismo moderado a severo. O corpo sofre: intolerância ao frio, fadiga, pele seca, processos mentais identificados, constipação e retenção hídrica são comumente relatados, frequentemente acompanhados por sintomas do hipotireoidismo, sendo que as pesquisas apontam para graus variáveis de disfunção pituitária e anomalias tireóideas relacionadas como fatores contribuintes no desenvolvimento da doença. Após um parto normal, a distribuição de sangue para a hipófise diminui. Se o parto é complicado por choque (ex., hemorragia maciça), a hipófise anterior pode ser prejudicada por infarto. Neste cenário, a secreção de hormônios tróficos cessa. As glândulas endócrinas alvo falham, e as pacientes desenvolvem apatia profunda, sensibilidade ao frio, perda de libido, prejuízo de memória, letargia e afinamento de pêlos axilares e pubianos (SOIFER,1992).
Uma hipófise lenta pode comprometer o funcionamento endócrino. Após o parto, os níveis de tiroxina tendem a reduzir e permanecem em valores abaixo da média não-gravídica durante até um ano. Embora deprimido, o nível de tiroxina tende a se sobrepor à faixa de extensão normal, possivelmente mascarando o hipotireoidismo. O nível de hormônio estimulador de tireóide (TSH) usualmente é normal no hipotireoidismo de origem pituitária (hipotireoidismo secundário). Estudos de caso confirmam a ligação entre hipotireoidismo subclínico de origem pituitária e doença pós-parto (idem,1992).
1.2.1 - Fatores de risco para depressão pós-parto
Fatores hereditários e uma história progressiva de doença psiquiátrica é identificada como fatores de risco significativos para depressão pós-parto. Mulheres com episódios anteriores de depressão não – relacionados à reprodução, têm uma chance de 10 a 40 % de desenvolver esse quadro. Essas têm uma taxa de 50% de recorrência em gravidez subsequentes. Expectativas irrealistas ou idéias românticas sobre a maternidade, que inevitavelmente bate de frente com a realidade, podem predispor a mulher à depressão pós-parto. Recebendo uma orientação pré-natal antecipatória alertará a nova mãe para a tristeza puerperal e ajudando-a identificar os sintomas mais sérios que requerem atendimento especializado, pois, quanto mais cedo uma doença pós-parto é identificada, maior a oportunidade para a prevenção secundária. Mulheres com quadros de depressão ou psicose deveriam ser acompanhadas mais de perto. As estratégias de tratamento biológico disponíveis para depressão pós-parto, antidepressivos, em especial os seletivos para serotonina, parecem ter alguma eficácia nos sintomas visados, orientando aos cuidados que devem ser tomados para prevenir a intoxicação.
Baixas doses de medicamentos antipsicóticos deveriam ser incluídas quando sintomas de psicose estão presentes. Em mulheres sob risco para recorrência, drogas psicotrópicas para prevenir ou mitigar sintomas psiquiátricos graves, deveriam receber séria consideração. Mulheres com histórias de psicose puerperal deveriam receber lítio imediatamente após o parto, tendo como objetivo a obtenção rápida de níveis sanguíneos terapêutico. A excreção do lítio pode ser prejudicada pelas alterações hidroeletrolíticas do período pós-parto imediato. Em mulheres com depressão pós-parto não psicóticas anteriores, a medicação antidepressiva pode ser iniciada mais cedo do que o início do episódio anterior.
A maioria das pacientes tem dificuldade de aceitar o tratamento mesmo ele sendo necessário, pois, psicoterapia é necessária para prevenir sequelas psicológicas. É importante enfatizar os aspectos biológicos da doença pós-parto, que deveriam ser considerados uma complicação da gravidez com sintomas psiquiátricos relacionados a mudanças fisiológicas após o parto. Na terapia de grupo a troca de informações e experiências é útil para mulheres puerperais. Estudos demonstram que o apoio do pai influencia positivamente a recuperação de sua parceira como também o apoio familiar. É importante transmitir a noção de que a doença pós-parto tem um excelente prognóstico.
2 - Relação Mãe-Bebê
Para elucidar esse tópico se faz necessário citar a importância de alguns teóricos psicanalíticos precursores em valorizar a importância da mãe para o desenvolvimento do bebê. Eles também buscaram entender a psicodinâmica da relação mãe-bebê e muitos pesquisadores contribuíram para a investigação do papel da depressão pós-parto na interação mãe-bebê. Spitz (1979), ao tratar da relação entre depressão pós-parto e coprofagia, assinalou que a "perda" da mãe que entra em depressão não é uma perda física, como quando a mãe morre ou desaparece. Segundo o autor, trata-se de uma perda emocional, na medida em que a mãe, ao mudar sua atitude emocional, altera os signos que a identificavam como um "objeto bom" para a criança (Klein, M. 1970). E mesmo que a mãe se mantenha fisicamente como era o objeto afetivamente investido pelo bebê está perdido com a depressão, na medida em que a mãe mostra-se emocionalmente mais distante.
Introduzida a idéia da “preocupação materna primária” como um estado em que a mãe consegue enfatizar com as necessidades primárias do bebê e, assim, satisfazê-las adequadamente. Winniccott nomeou de “suficientemente boa” a mãe que consegue ter essa capacidade e valorizou sua importância para que o desenvolvimento mental do bebê possa se dar adequadamente. A preocupação materna primária está contida na função de holding (sustentação), com a qual o autor abrange não só a função de suporte físico, mas também a de suporte psíquico.
Foi criado o conceito de capacidade de reverie por Bion (PARKER, R. 1995) sendo uma função materna na qual a mãeutiliza seu “aparelho para pensar” ospensamentos do bebê, nomeando e significandoseus estados mentais e sensações, num períodoem que ele não tem recursos para fazê-lo, ou para fazê-lo adequadamente.Trazendo assim, um elo entreo que dizem esses teóricos psicanalíticos e abiologia, Bowlby (1973) possibilitou uma ponte entre essasduas áreas do conhecimento, permitindo que osachados de ambas enriquecessem nossoentendimento da relação mãe-bebê. Ele deu onome de sistema de apego às estruturasneuropsicológicas que conduzem à ligação dobebê com seu objeto cuidador. Esse sistemaemocional e comportamental foi concebido porele como inato e instintivo, muito semelhante afome e sede, constituindo-se num sistemaorganizador dos processos de memória do bebê,que o direciona a procurar proximidade ecomunicação com sua mãe.
Psicólogos experimentais Trevarthen & Aitken (1994) expandiram a compreensão desse sistema,propondo que certos grupos de neurôniosprogramados geneticamente configurem uma“formação motivacional intrínseca” (FMI), dandoorigem às capacidades do cérebro do bebê para a interação afetiva o apego do bebê é intersubjetivo e interpessoal. Seguindo a idéia dos autores, o sistema de apego, do ponto de vista evolucionista, aumenta as chances do bebê sobreviver, permitindo ao cérebro imaturo usar o funcionamento maduro dos pais para atender suas necessidades vitais. O vínculo materno adequado é crucial para o desenvolvimento do sistema de apego seguro, ao mesmo tempo em que, para ocorrer desta maneira, esse vínculo deverá ser alimentado pelo comportamento responsivo do bebê. O apego seguro do bebê com sua mãe ou cuidador(a) substituto(a) promove um bem estar no bebê, enquanto o apego inseguro está relacionado a um aumento de ansiedade.
A experiência interativa entre bebês e mães deprimidas foi caracterizada por Stern (1997) em termos de micro eventos, descritos como aqueles eventos triviais e de curta duração que causam um impacto momentâneo no bebê. Stern destacou o que uma mãe faz com os olhos e o rosto no exato momento em que seu bebê lhe dirige um sorriso. A depressão torna-se familiar ao bebê na forma de muitos micro eventos repetidos, ou seja, quando as mães ficam deprimidas não ocorre uma mudança brutal, mas um processo progressivo de desligamento, o qual geralmente é parcial. Estar com uma mãe deprimida caracteriza-se por pelo menos quatro experiências subjetivas: a primeira se refere à já citada (do bebê de micro-depressão repetida), o que ocorre quando a mãe sob depressão rompe o contato visual com o bebê e não tenta restabelecê-lo (idem,1997).
Como se fosse um consolo para seus sentimentos de desorganização, a mãe busca um comportamento organizado no seu bebê. Brazelton & Cramer (1992) mostraram que até mesmo as formas mais brandas de depressão da mãe podem afetar o bebê, na medida em que ele percebe as mínimas deficiências na contingência no comportamento materno. A partir do fracasso nas suas tentativas de ter a mãe emocionalmente presente, o bebê tenta a proximidade através da identificação e da imitação. A segunda experiência subjetiva a que se refere Stern (1997) é caracterizada pela vivência do bebê como um reanimador. Ela foi baseada em evidências de que o bebê, diante de uma situação de micro-depressão, tenta fazer com que a mãe volte à vida, o que muitas vezes funciona, já que a depressão materna não pode ser considerada total, nem tampouco constante. A terceira experiência subjetiva do bebê no sentido de estar com a mãe refere-se à visão que o bebê tem da mãe em segundo plano quando da sua busca de outras formas de estimulação, ou seja: se as tentativas de reanimar a mãe falham, o bebê parte em busca de um nível mais apropriado de estimulação e interesse no mundo. Por fim, a quarta experiência subjetiva de estar com uma mãe deprimida refere-se ao desejo do bebê de estar com a mãe não-deprimida. Este esquema de estar com a mãe não-deprimida tem como ponto de partida o esforço da mãe deprimida, geralmente manifestado em rompantes, para estar com o filho, onde o mesmo acaba por aceitar o que a mãe oferece.
Os resultados mostraram que mães deprimidas, quando comparadas às mães não deprimidas, gastam menos tempo olhando, tocando e falando com seus bebês, apresentam mais expressões negativas do que positivas, mostram menos responsabilidade contingente, menos espontaneidade e menores níveis de atividade, exibem menos afeto positivo e mais afeto negativo, menor nível de atividade, menos vocalização, costumam distanciar o olhar, apresentam mais aborrecimento, protestos mais intensos, mais expressões de tristeza e raiva, menos expressões de interesse e uma aparência depressiva com poucos meses de idade (Cohn, Campbell, Matias, & Hopkins, 1990; Field, 1984; Field et al., 1985; Field et al; 1988). Já a depressão pós-parto contribui para que os comportamentos afetivos e de atenção da díade mãe-bebê tornem-se assincrônicos, na medida em que a mãe encontra-se afetivamente não-responsiva.
Diante das mães menos responsivas, expressivas, envolvidas e falantes, os bebês tendiam a se afastar fisicamente e apresentavam mais comportamentos negativos para chamar atenção. Quando as mães não estavam simulando afeto depressivo e afastamento, os bebês evidenciavam mais comportamentos positivos e brincavam mais próximos às mães. Há evidências de que, falhas no cuidado inicial devido à negligência, abuso físico e/ou psicológico estão associadas a alterações no padrão de apego para o desenvolvimento motor e mental dos bebês. Todavia, quando a depressão da mãe se estendeu até os seis meses do bebê (depressão crônica), mais freqüentemente na interação face a face, suas expressões foram compatíveis com raiva e irritação, e seu bebê chorava, gritava e se agitava mais. As mães com depressão crônica apresentavam menos contatos físicos, visuais e verbais na interação com seu bebê e no brincar, eram menos positivas e engajadas afetivamente do que aquelas cuja depressão havia sido relativamente transitória. Esses achados sugerem fortemente a necessidade de se distinguir entre depressão transitória e prolongada (protraída) em relação aos efeitos no desenvolvimento do bebê.
As mães com depressão dupla apresentavam apego mais inseguro que os outros dois subgrupos. Assim, os autores supracitados concluíram, a partir de sua amostra, que as conseqüências da depressão materna variam dependendo do tipo, da severidade e da cronicidade da depressão. Freud descreveu o primeiro contato entre mãe e filho como modelo de narcisismo primário, isto é, como uma etapa do desenvolvimento da personalidade (KLEIN,M;RIVIERE, J.1970). O problema do sexo da criança adquire também grandes proporções, se, por exemplo, esperou-se e ambicionou-se muito um garoto, e nasceu uma menina, aparecerá uma depressão de características especiais. A psicose puerperal se caracteriza, como se sabe, pelo repúdio total ao bebê, onde a paciente não quer vê-lo, aterrorizando-se com ele, permanece triste, afastada como que ausente. A sensação dominante é de haver perdido a própria personalidade e ser uma mera escrava do bebê e do ambiente.
Quando a situação real é muito conflitiva, por desavenças conjugais, precária situação econômica, ou nos casos da mãe ser solteira e estar desamparada, o desejo de matar o recém-nascido pode adquirir grande intensidade; sua gênese é uma fantasia consciente, segundo a qual a criança sofre e sofrerá cada vez mais, e só a morte pode salvá-la. Nesses casos Raquel Soifer (1992) diz que, a dinâmica inconsciente do infanticídio resulta da projeção da criança de uma parte do ego atacada e arruinada por um objeto interno implacável: a morte da criança, a luz dessa fantasia inconsciente, implica o modo de eliminar a dor e o terror, e ao mesmo tempo o objeto terrorífico. Outra forma de depressão é a maníaca, a puérpera se mostra alegre, vivaz, não se ocupa absolutamente do bebê, discorre como se nada tivesse acontecido e, a partir da segunda ou terceira semana, procura permanecer a mais afastada do filho, deixando-o aos cuidados de outrem.
A anormalidade se exprime por um estado de tensão permanente, irritabilidade e hiperatividade. A mulher que está se preparando para ter um filho por meio de uma leitura e aprendizagem de técnicas que podem permitir-lhes desfrutar de um parto normal tem menos probabilidade de sofrer os extremos de imprevisibilidade emocional do que aquela que ignora os processos envolvidos. Por mais que a mulher tenha sonhado em ter um filho, a realização do sonho para muitas é um choque, sendo também um acontecimento inteiramente desagradável, principalmente quando a criança é concebida acidentalmente, ou quando o casal está aprendendo a viver a dois. Tudo isso representa no mínimo uma súbita invasão em sua privacidade (PARKER,1995).
Quando a mulher não está preparada para ser mãe – sente-se incapaz de desempenhar tal papel. Está emocionalmente despreparada para a maternidade e pelo fato de estar grávida, chega às vezes a se odiar por isso. Sendo que só tinha visto esta função de mãe, em outras mulheres, mas agora a sua condição de mulher se impõe incessantemente forçada pela criança que cresce dentro de si, que ela desconhece imediata nada familiar e assustadora. Torna-se "portadora" de uma nova vida, um "receptáculo" para o bebê, como um "parasita" a sugar-lhe a vida (KITZINGER, S.1987).
2.1 – Os fatores neuropsicológicos na depressão pós-parto
O nascimento do primeiro filho tem sido considerado por muitos autores como um evento propício ao surgimento de problemas emocionais nos pais, como depressões, psicoses pós-parto e manifestações psicossomáticas (Klaus et al., 2000; Maldonado, 1990; Szejer & Stewart, 1997). A depressão comumente associada ao nascimento de um bebê refere-se a um conjunto de sintomas que iniciam geralmente entre a quarta e oitava semana após o parto, atingindo de 10 a 15% das mulheres incluindo sintomas como: irritabilidade, choro freqüente, sentimentos de desamparo e desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse sexual, transtornos alimentares e do sono, a sensação de ser incapaz de lidar com novas situações, bem como queixas psicossomáticas (Klaus et al., 2000). Os distúrbios do humor que caracterizam o período pós-parto incluem também a melancolia da maternidade (baby blues) e as psicoses puerperais (Souza, Burtet, & Busnello, 1997). O distúrbio de labilidade transitória de humor é o primeiro quadro a se caracterizar, atingindo cerca de 60% das novas mães entre o terceiro e o quinto dia após o parto, porém geralmente tem remissão espontânea.
Alguns autores sugerem que, por vezes, os sintomas da depressão pós-parto, podem surgir em algum outro momento do primeiro ano de vida do bebê e não necessariamente nas primeiras semanas após o seu nascimento (Beck, 1991; Brown et al., 1994; Klaus et al., 2000; Murray, Cox, Chapman, & Jones, 1995). De fato, uma série de estudos tem evidenciado uma associação entre a ocorrência da depressão pós-parto e o pouco suporte oferecido pelo parceiro ou por outras pessoas com quem a mãe mantém relacionamento (Beck, 2002; Beck, Reynolds, & Rutowsky, 1992; Brown et al., 1994; Deal & Holt, 1998; Kumar & Robson,1984; Pfost, Stevens, & Lum, 1990; Romito, Saurel-Cubizolles, & Lelong, 1999), o não planejamento da gestação, o nascimento prematuro e a morte do bebê (Kumar & Robson,1984), a dificuldade em amamentar (Warner, Appleby, Whitton,& Faragher, 1996), e a dificuldades no parto (Brown et al.,1994).
Crianças de pais deprimidos têm de duas a cinco vezes maiores possibilidade de desenvolver problemas emocionais e de comportamento (Dodge, 1990). O impacto da depressão pós-parto, de acordo com Cummings e Davies (1994), deve ser considerado dentro de um contexto familiar mais amplo, no qual atuam elementos interdependentes. Nesse sentido, o modelo de compreensão das implicações da depressão da mãe para o desenvolvimento infantil proposto pelos autores considerou as características maternas, as relações mãe-bebê, o funcionamento do casal e as características do bebê. Para os autores, o impacto da depressão na criança vai depender de como esta afeta o comportamento, a cognição e as emoções da própria mãe. Nesta perspectiva, a depressão afeta a criança pela alteração dos modelos de interação mãe-bebê ou pelo aumento da discórdia entre o casal, que tem efeitos negativos no desenvolvimento infantil. De qualquer modo, a criança não é considerada um recipiente passivo dos estímulos ambientais, mas, sim, um participante ativo na formação de suas trajetórias de desenvolvimento e nos efeitos dessas. Ressaltando também a importância da transmissão genética no desenvolvimento de problemas emocionais e comportamentais na criança, concebendo, no entanto, que outros mecanismos operam igualmente bem neste sentido: o ambiente e os efeitos da interação. Nessa perspectiva, a transmissão da psicopatologia dos pais para a criança ocorreria na medida em que a depressão parental leva a uma desorganização na parentalidade e no ambiente familiar, que, por sua vez, conduz ao funcionamento mal-adaptativo da criança. Algumas bibliografias apontam que mães que estiveram deprimidas dois meses após o nascimento foram menos sensíveis e atentas aos bebês aos dezoito meses. Além disso, mostraram-se menos afirmativas e mais negativas em relação ao desenvolvimento dos bebês, concluindo que a qualidade do apego era influenciada não só pela depressão materna após o nascimento do bebê, mas também pelas experiências da mãe sobre o seu próprio nascimento e a natureza do relacionamento dela com sua própria mãe. Os estudos revisados são consistentes ao afirmar que a depressão materna após o nascimento do bebê implica em importantes conseqüências para o desenvolvimento infantil, especialmente no que se refere à ocorrência posterior de problemas emocionais e de comportamento da criança.
Jones (et al.2000) demonstraram que bebês de mães deprimidas, uma ativação ao EEG da região frontal direita em relação à esquerda, já na primeira semana de vida do bebê, no primeiro mês e aos três meses. Dawson (et al.1999) examinaram a atividade elétrica cerebral de bebês de mães deprimidas com 13 e 15 meses de idade. Eles encontraram uma menor ativação frontal esquerda durante a gravação de base e as situações consideradas como deflagradoras de afetos positivos nos bebês de mães deprimidas em relação aos bebês controle. Em trabalho subseqüente, os autores observaram um mesmo padrão até os três anos dos bebês. Há estudos que demonstram que bebês inibidos podem exibir mais freqüentemente assimetria frontal direita quando comparados a bebês do grupo controle e que isso se deve tanto a maior atividade frontal direita quanto hipoatividade frontal esquerda (Silberman EK; Weingartner H.1986). A pesquisa tem confirmado essa associação e tem demonstrado alterações nos sistemas neuroendócrino e comportamental de crianças que sofreram privação e um estresse importante em termos de intensidade e tempo de duração no início do desenvolvimento demonstrando que a mãe deprimida freqüentemente não tem um padrão de cuidado do bebê, principalmente quando a depressão se estende por vários meses. A qualidade da interação parece ser influenciada de forma significativa pelo grau de gravidade, pela duração dos sintomas depressivos e pelo padrão comportamental da mãe com o bebê, se intrusivo, retirado ou adequado. O padrão de vínculo está associado a alterações no EEG, no eixo HPA, no SNV e no padrão comportamental dessas crianças.
Embora mecanismos genéticos possam ter um papel nessa associação, torna-se claro que devemos considerar a qualidade da interação mãe-bebê e a qualidade da maternagem como contribuintes importantes para o padrão de desenvolvimento neurológico.
Considerações Finais
Pretendeu-se neste trabalho proporcionar, de forma muito sintética evidenciar que os quadros depressivos maternos no período pós-parto e ao longo do primeiro ano de vida da criança apresentam algumas particularidades, variando quanto à época de seu surgimento, sua incidência e em relação à severidade dos sintomas. Sabe-se que fatores biológicos, obstétricos, psicológicos e sociais podem contribuir para a precipitação deste quadro que, por vezes, tem uma apresentação atípica, na medida em que a tristeza e a angústia da mãe tendem a ser minimizadas diante dos cuidados intensivos dispensados ao bebê. Em função disso, o tempo de permanência do diagnóstico de depressão materna tem impulsionado a realização de pesquisas sobre a qualidade da interação mãe-bebê em períodos posteriores do desenvolvimento infantil, como, por exemplo, a partir do final do primeiro ano de vida, nessa idade, filhos de mães deprimidas tendem a mostrar menos engajamento na exploração de objetos, como também menor expressão de afeto positivo.
A atuação preventiva das equipes multidisciplinares nesse período pode proporcionar à nova mãe o apoio de que necessita para enfrentar os eventuais episódios de depressão. Mais do que isso, o atendimento precoce à mãe deprimida representa a possibilidade da prevenção do estabelecimento de um padrão negativo de interação com o bebê, o qual pode trazer importantes repercussões para o seu desenvolvimento posterior. Contudo, é importante assinalar que a presença da depressão em um determinado momento após o nascimento do bebê, por si só, não permite a realização de um prognóstico preciso a respeito de suas implicações na qualidade da interação que se estabelecerá entre a díade nos meses subseqüentes. Nesse sentido, faz-se necessária a realização de estudos que utilizem uma abordagem longitudinal a respeito da depressão pós-parto, a qual leve em conta os diversos fatores que podem contribuir para o seu prolongamento ou remissão. Espera-se que o presente trabalho possa estimular novos estudos e, principalmente, o desenvolvimento de estratégias precoces de intervenção que considerem as particularidades dos quadros depressivos observados a partir do nascimento de um bebê.
Sobre os Autores:
Eudócia Cerqueira Jericó - Psicóloga; Pedagoga; Terapeuta Sexual e pós-graduada em Neuropsicologia.
Jecely Teixeira - Psicóloga e pós-graduada em Neuropsicologia.
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