sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Reflexões sobre o Acolhimento de Crianças e Jovens

“Casa é o lugar onde mora o coração” 


Como nos diz Pedro Strecht, a vida nem sempre é justa. As crianças não nascem iguais em direitos. Mas não podemos desistir de contrariar uma certa ordem das coisas, bater à porta dos corações e perguntar sem medo: pode-se entrar? Indignar-nos sempre que for preciso e lutar.
É isto que todas as pessoas que trabalham na área das crianças e jovens em risco, especificamente em instituições de acolhimento, fazem: lutar!
Lutar por (re) avivar a esperança no coração de cada criança, jovem ou adulto que acompanhamos...Porque a vida nem sempre é justa, porque os pais nem sempre são progenitores, porque os caminhos nem sempre são lineares....
A instituição, ou com prefiro chamar-lhe a “Casa de Acolhimento”, deve levar a cabo um conjunto de projectos e actividades com o objectivo de dar resposta às necessidades, promover o desenvolvimento pessoal, social, educacional e afectivo das crianças e jovens, permitindo a promoção de competências, o aumento da auto-estima e a segurança de ser amado pelo que se é, visando também possibilitar-lhes experiências positivas no presente, para que possam ter uma perspectiva de futuro; acreditar em si mesmas, para poder acreditar no “amanhã”...
Sabemos que o que deve estar sempre subjacente ao acolhimento são os afectos, “ O que temos entre mãos não é um caso nem um processo, é simples mas tão complexamente a vida de uma criança.
As crianças e os jovens acolhidas chegam-nos cheias de feridas e marcas, são vítimas de vicissitudes e circunstâncias geradoras de mal-estar, de ausências de afecto, de desinvestimento, de vazios internos e externos, estando ávidos de amor, ávidos de organização, ávidos de um lar onde habitar e pousar o seu cansaço porque, como nos diz Mia Couto “A casa é o lugar onde mora o coração”.
Nogueira (2005) considera que por se tratar de uma “casa” e pelo facto de que muitas crianças e jovens trazerem na sua bagagem uma história de vida marcada por experiências traumáticas, a preocupação e a responsabilidade com a qualidade da intervenção e da qualificação do acolhimento institucional deve ganhar uma proporção ainda maior. Assim, é necessário que os cuidadores, os responsáveis pelas crianças e jovens acolhidos, voltem os seus sentidos em direcção a eles, a fim de que possam compreender os seus gostos, interesses, capacidades e dificuldades como características pessoais que estruturam a sua personalidade e orientam o seu comportamento.
A Casa de acolhimento deve sempre intervir com base no respeito e numa efectiva valorização das suas crianças e jovens, uma vez que lhes deve ser proporcionado o afecto essencial para o desenvolvimento de uma boa auto-estima e de uma vinculação segura, assente numa boa estruturação psicológica e afectiva.
O nosso trabalho deve basear-se em Afectos e as equipas (técnicas e educativas), os educadores, os modelos destas crianças e jovens, devem constituir-se como figuras securizantes, disponíveis internamente para dar, estar, comunicar e comungar...
Em definitivo, não há uma receita ou um manual rígido de como bem proceder como uma criança e/ou jovem. Cada um deles tem uma história e emoções muito próprias, uma personalidade própria, sonhos muito próprios, muito seus. Por isso não deve haver receitas mas sim flexibilidade e criatividade.
No entanto, sabemos que a personalidade se desenvolve em sintonia com figuras contentoras e permanentes, modelos de referência que os ensinem e protejam no aqui e no agora, mas também que assegurem que esta protecção e amor esteja presente nas suas vidas SEMPRE e PARA SEMPRE. E, por isso, é importante ser céleres na definição do projecto de vida e, muitas vezes, radicais nas decisões que são tomadas, pois nem todos os pais são progenitores e porque as crianças não podem nem devem esperar eternamente  por mudanças que nunca chegam. Tal como nos diz Winnicott: "Sem ter alguém dedicado especificamente às suas necessidades, a criança não consegue estabelecer uma relação eficiente com o mundo externo. Sem alguém para dar-lhe gratificações instintivas e satisfatórias, o bebé não consegue descobrir seu próprio corpo nem desenvolver uma personalidade integrada". ,
 Partimos assim do princípio que a protecção das nossas crianças e jovens terá sempre de assentar em dois vectores: tempo e afectos. Em primeiro lugar, o tempo, que para as crianças e jovens acolhidos, não é, nem pode ser uma dimensão linear nem objectiva. O tempo tem de ser visto antes como uma dimensão relacional, sendo uma condição essencial na intervenção com crianças, uma vez que dele depende também o desenvolvimento e o evitamento de feridas profundas e vazios irreparáveis. Não podemos congelar o desenvolvimento psicológico de uma criança que precisa a cada segundo de ser amada e protegida para poder percepcionar o seu valor e a sua segurança, evitando o sentimento de desamparo e de não ser querida…
Em segundo lugar, os afectos, pois é nossa convicção, ao trabalhar com crianças e jovens que “não pertencer a ninguém é correr o risco de tornar-se ninguém”, daqui que os afectos sejam factores essenciais e vitais no desenvolvimento psicológico de qualquer ser humano, precisamos de pertencer para poder Ser…
Por isso as crianças e os jovens que são acolhidas precisam urgentemente de uma definição do seu futuro, e de pais ou modelos de referência que assegurem o seu desenvolvimento, sobretudo psicológico e emocional, pois, muitos deles são aquilo a que se chama de "maravilha ferida", ou seja, crianças e jovens, que apesar de todo o sofrimento, de toda a agressividade e das marcas do abandono e desamparo a que sempre estiveram sujeitas, são muito bonitos: vivos, espontâneos, sensatos, e intuitivos, valorizando aquilo que vale a pena valorizarem na vida: as pessoas, a esperança, e o futuro.
 Pode ser lugar comum, mas parece-me que no nosso dia-a-dia com eles,  devemos ser autênticos e estar completamente conscientes das nossas responsabilidades enquanto educadores, contentores, protectores das nossas crianças e jovens. Devemos estar atentos aos seus sinais, às suas estratégias tantas vezes mais eficazes do que aquelas que pensamos ser as “certas”, devemos ser verdadeiros ouvintes para compreender verdadeiramente e ser co-construtores de histórias para que a história das suas vidas se possa transformar. Que cada momento com cada criança, jovem ou adultos em dificuldades, em perigo ou em risco, seja uma oportunidade para entender os seus SOS, que por vezes apenas querem dizer “SE ME OUVIRES SALVAS-ME”.
Estas crianças e jovens, tantas vezes magoados e defraudados por aqueles que lhes deveriam assegurar tudo, o amor, os sonhos, a certeza de ser querido exactamente como são e pelo que são, têm o direito a ser amados, a confiar que não serão jamais abandonados. Estas crianças e jovens têm direito “a ter um colo onde se possam sentar, enroscar como numa concha e receber mimos, a acreditar que um adulto olha por eles e os ama sem condição prévia, a ter alegria suficiente para imaginar coisas boas antes de dormir e depois, a sonhar com elas,  “têm o direito de não ficar sozinhos a chorar, têm direito a crescer felizes e a ter paz nos seus pensamentos e sentimentos”. Pedro Strecht; 1998 (in Crescer Vazio)
Sobretudo, temos como missão cuidar mas também dar um sopro de vida e estas crianças e jovens, fazer renascer a Esperança em si mesmo e no futuro, fazê-los acreditar nas pessoas, sem medo de ser abandonados ou desiludidos, quebrando ciclos de desânimo aprendido e dissipando o medo de perder. Em suma, através da relação, que deve ser sempre terapêutica e autentica, temos obrigação de ajudá-los e ensiná-los a estar vivos, pois Estar vivo não supõe, só, um coração que bate (…).Estar vivo, num plano psíquico, exige, também, um conjunto de relações significativas que nos dão vida, pela diversidade das solicitações, pelas contradições que aclaram em nós, e pelas formas como nos movem e nos fazem crescer”Eduardo Sá, in Adolescentes somos nós.

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